Demissão do Governo e caso das gémeas que envolvem o Presidente da República.

No dia 3 de Novembro, a TVI anunciava uma investigação que envolvia o Presidente da República numa alegada cunha dada por si às gémeas portuguesas, com dupla nacionalidade, para receberem um medicamento caro e raro. Volvidos quatro dias, no dia 7, surgiram buscas e detenções relacionadas com o gabinete do Primeiro Ministro e pessoas da sua confiança, levando António Costa a demitir-se. São estes, os dois acontecimentos politico-judiciais, que desenham presentemente uma crise institucional. Se fizermos uma análise individual a ambas as situações, provavelmente diremos que nem Marcelo, nem António Costa são culpados de coisa alguma. Mas isso é no plano judicial. E no plano político? As situações são semelhantes? São parecidas mas não iguais. Em ambas as situações, estão potencialmente relacionados crimes de tráfico de influências praticados por pessoas da confiança de Marcelo e Costa. Apenas com uma diferença colossal. Em relação a Marcelo, o seu envolvimento está relacionado ao dar provimento ao e-mail recebido pelo seu filho, desencadeando uma troca de emails entre a Casa Civil da Presidência, o seu filho e o Hospital. No que diz respeito a António Costa, o seu envolvimento está relacionado com o seu nome ter sido mencionado numa escuta. Algo completamente alheio a Costa. As consequências políticas foram iguais para os dois? Não foram. António Costa demitiu-se e Marcelo Rebelo de Sousa permaneceu no cargo. Se no início, quando houve conhecimento do caso das gémeas, o tema foi abafado pela demissão de António Costa, agora o caso ganhou outra dimensão social. É curioso, saber-se da atuação e modus operandi do filho do Presidente da República, o mesmo que se intitula no Brasil como "o filho do Presidente", dias antes do decreto oficial da demissão de António Costa. Se por um lado vemos uma investigação muito fragilizada pelos erros do MP, pelo "pouco sumo" que trazem os factos e pela inexistência de qualquer prova que incrimine António Costa, por outro verificamos, com grande possibilidade, a existência das relações promíscuas na Presidência da República. Em termos abstratos, fica estranho, um "culpado político" decretar a demissão de outro "culpado político". Decretar uma demissão pelas mesmas razões que levaram à sua "culpa política". Continuando no campo abstrato, e considerando mais grave o envolvimento do Presidente da República do que a citação do nome de António Costa numa escuta, fica um sentimento antagónico em relação ao decreto de demissão emitido por Marcelo Rebelo de Sousa. Em termos práticos, se era bom uma demissão do Presidente da República agora? Evidentemente que, perante o presente contexto político, não era. Só iria acentuar a crise política e institucional de Portugal. Contudo, não é líquido que a "culpa política" de Marcelo fique excluída de responsabilidades. Aguardemos.